Entende-se por prevenção delitiva o conjunto de ações que visam evitar a ocorrência do delito.
A noção de prevenção delitiva não é algo novo, suportando inúmeras transformações com o passar dos tempos em função da influência recebida de várias correntes do pensamento jusfilosófico.
Para que possa alcançar esse verdadeiro objetivo do Estado de Direito, que é a prevenção de atos nocivos e consequentemente a manutenção da paz e harmonia sociais, mostra-se irrefutável a necessidade de dois tipos de medidas: a primeira delas atingindo indiretamente o delito e a segunda, diretamente.
Em regra, as medidas indiretas visam as causas do crime, sem atingi-lo de imediato. O crime só seria alcançado porque, cessada a causa, cessam os efeitos (sublata causa tolitur efectus). Trata-se de excelente ação profilática, que demanda um campo de atuação intenso e extenso, buscando todas as causas possíveis da criminalidade, próximas ou remotas, genéricas ou específicas.
Tais ações indiretas devem focar dois caminhos básicos: o indivíduo e o meio em que ele vive.
Em relação ao indivíduo, devem as ações observar seu aspecto personalíssimo, contornando seu caráter e seu temperamento, com vistas a moldar e motivar sua conduta.
O meio social deve ser analisado sob seu múltiplo estilo de ser, adquirindo tal atividade um raio de ação muito extenso, visando uma redução de criminalidade e prevenção; até porque seria utopia zerar a criminalidade. Todavia, a conjugação de medidas sociais, políticas, econômicas etc. pode proporcionar uma sensível melhoria de vida ao ser humano.
A criminalidade transnacional, a importação de culturas e valores, a globalização econômica, a desorganização dos meios de comunicação em massa, o desequilíbrio social, a proliferação da miséria, a reiteração de medidas criminais pífias e outros impelem o homem ao delito.
Porém, da mesma forma que o meio pode levar o homem à criminalidade, também pode ser um fator estimulante de alteração comportamental, até para aqueles indivíduos com carga genético-biológica favorável ao crime. Nesse aspecto, a urbanização das cidades, a desfavelização, o fomento de empregos e reciclagem profissional, a educação pública, gratuita e acessível a todos etc. podem claramente imbuir o indivíduo de boas ações e oportunidades.
Na profilaxia indireta, assume papel relevante a medicina, por meio dos exames pré-natal, do planejamento familiar, da cura de certas doenças, do uso de células-tronco embrionárias para a correção de defeitos congênitos e a cura de doenças graves, da recuperação de alcoólatras e dependentes químicos, da boa alimentação (mens sana in corpore sano) etc., o que poderia facilitar, por evidente, a obtenção de um sistema preventivo eficaz.
Por sua vez, as medidas diretas de prevenção criminal direcionam-se para a infração penal in itinere ou em formação (iter criminis).
Grande valia possuem as medidas de ordem jurídica, dentre as quais se destacam aquelas atinentes à efetiva punição de crimes graves, incluindo os de colarinho branco; repressão implacável às infrações penais de todos os matizes (tolerância zero), substituindo o direito penal nas pequenas infrações pela adoção de medidas de cunho administrativo (police acts); atuação da polícia ostensiva1 em seu papel de prevenção, manutenção da ordem e vigilância; aparelhar e treinar as polícias judiciárias para a repressão delitiva em todos os segmentos da criminalidade; repressão jurídico-processual, além de medidas de cunho administrativo, contra o jogo, a prostituição, a pornografia generalizada etc.; elevação de valores morais, com o culto à família, religião, costumes e ética, além da reconstrução do sentimento de civismo, estranhamente ausente entre os brasileiros.
10.2 Prevenção criminal no Estado Democrático de Direito
Sustenta-se que o crime não é uma doença, mas sim um grave problema da sociedade, que deve ser resolvido por ela.
A criminologia moderna defende a ideia de que o delito assume papel mais complexo, de acordo com a dinâmica de seus protagonistas (autor, vítima e comunidade), assim como pelos fatores de convergência social.
Enquanto a criminologia clássica vislumbra o crime como um enfrentamento da sociedade pelo criminoso (luta do bem contra o mal), numa forma minimalista do problema, a criminologia moderna observa o delito de maneira ampla e interativa, como um ato complexo em que os custos da reação social também são demarcados.
No Estado Democrático de Direito em que vivemos, a prevenção criminal é integrante da “agenda federativa”, passando por todos os setores do Poder Público, e não apenas pela Segurança Pública e pelo Judiciário. Ademais, no modelo federativo brasileiro a União, os Estados, o Distrito Federal e sobretudo os Municípios devem agir conjuntamente, visando a redução criminal (art. 144, caput, da Constituição Federal).
A prevenção delituosa alcança, portanto, as ações dissuasórias do delinquente, inclusive com parcela intimidativa da pena cabível ao crime em vias de ser cometido; a alteração dos espaços físicos e urbanos com novos desenhos arquitetônicos, aumento de iluminação pública etc. (neoecologismo + neorretribucionismo), bem como atitudes visando impedir a reincidência (reinserção social, fomento de oportunidades laborais etc.).
10.3 Prevenção primária, secundária e terciária
Ataca a raiz do conflito (educação, emprego, moradia, segurança etc.); aqui desponta a inelutável necessidade de o Estado, de forma célere, implantar os direitos sociais progressiva e universalmente, atribuindo a fatores exógenos a etiologia delitiva; a prevenção primária liga-se à garantia de educação, saúde, trabalho, segurança e qualidade de vida do povo, instrumentos preventivos de médio e longo prazo.
Destina-se a setores da sociedade que podem vir a padecer do problema criminal e não ao indivíduo, manifestando-se a curto e médio prazo de maneira seletiva, ligando-se à ação policial, programas de apoio, controle das comunicações etc.
Voltada ao recluso, visando sua recuperação e evitando a reincidência (sistema prisional); realiza-se por meio de medidas socioeducativas, como a laborterapia, a liberdade assistida, a prestação de serviços comunitários etc.
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A ocorrência de ação criminosa gera uma reação social (estatal) em sentido contrário, no mínimo proporcional àquela. Da evolução das reações sociais ao crime prevalecem hodiernamente três modelos: dissuasório, ressocializador e restaurador (integrador).
1. Modelo dissuasório (direito penal clássico): repressão por meio da punição ao agente criminoso, mostrando a todos que o crime não compensa e gera castigo. Aplica-se a pena somente aos imputáveis e semi-imputáveis, pois aos inimputáveis se dispensa tratamento psiquiátrico. |
2. Modelo ressocializador: intervém na vida e na pessoa do infrator, não apenas lhe aplicando uma punição, mas também lhe possibilitando a reinserção social. Aqui a participação da sociedade é relevante para a ressocialização do infrator, prevenindo a ocorrência de estigmas. |
3. Modelo restaurador (integrador): recebe também a denominação de “justiça restaurativa” e procura restabelecer, da melhor maneira possível, o status quo ante, visando a reeducação do infrator, a assistência à vítima e o controle social afetado pelo crime. Gera sua restauração, mediante a reparação do dano causado. |
10.5 Teoria da pena. A penologia
O Estado existe para propiciar o bem comum da coletividade administrada, o que não pode ser alcançado sem a manutenção dos direitos mínimos dos integrantes da sociedade. Por conseguinte, quando se entrechocam direitos fundamentais para o indivíduo e para o próprio Poder Público e as outras sanções (civis, administrativas etc.) são ineficazes ou imperfeitas, advém para este o jus puniendi, com a reprimenda penal, que é a sanção mais grave que existe, na medida em que pode cercear a liberdade daquele e, em casos extremos, privá-lo até da vida.
A pena é uma espécie de retribuição, de privação de bens jurídicos, imposta ao delinquente em razão do ilícito cometido.
O estudo da pena constata a existência de três grandes correntes sobre o tema: teorias absolutas, relativas e mistas.
As teorias absolutas (Kant, Hegel) entendem que a pena é um imperativo de justiça, negando fins utilitários; pune-se porque se cometeu o delito (punitur quia peccatum est).
As teorias relativas ensejam um fim utilitário para a punição, sustentando que o crime não é causa da pena, mas ocasião para que seja aplicada; baseia-se na necessidade social (punitur ne peccetur). Seus fins são duplos: prevenção geral (intimidação de todos) e prevenção particular (impedir o réu de praticar novos crimes; intimidá-lo e corrigi-lo).
Por fim, as teorias mistas conjugam as duas primeiras, sustentando o caráter retributivo da pena, mas acrescentam a este os fins de reeducação do criminoso e intimidação.
A penologia é a disciplina integrante da criminologia que cuida do conhecimento geral das penas (sanções) e castigos impostos pelo Estado aos violadores da lei.
10.6 Prevenção geral e prevenção especial
Por meio da prevenção geral, a pena se dirige à sociedade, intimidando os propensos a delinquir. Como expõe Magalhães Noronha2, a pena “dirige-se à sociedade, tem por escopo intimidar os propensos a delinquir, os que tangenciam o Código Penal, os destituídos de freios inibitórios seguros, advertindo-os de não transgredirem o mínimo ético”.
A prevenção especial atenta para o fato de que o delito é instado por fatores endógenos e exógenos, de modo que busca alcançar a reeducação do indivíduo e sua recuperação. Por esse motivo, sua individualização se trata de preceito constitucional (art. 5º, XLVI).
10.7 Prevenção geral negativa e prevenção geral positiva
A prevenção geral da pena pode ser estudada sob dois ângulos: negativo e positivo.
Pela prevenção geral negativa (prevenção por intimidação), a pena aplicada ao autor do delito reflete na comunidade, levando os demais membros do grupo social, ao observar a condenação, a repensar antes da prática delituosa.
A prevenção geral positiva ou integradora direciona-se a atingir a consciência geral, incutindo a necessidade de respeito aos valores mais importantes da comunidade e, por conseguinte, à ordem jurídica.
10.8 Prevenção especial negativa e prevenção especial positiva
A prevenção especial, por seu turno, também pode ser vista sob as formas negativa e positiva.
Na prevenção especial negativa existe uma espécie de neutralização do autor do delito, que se materializa com a segregação no cárcere. Essa retirada provisória do autor do fato do convívio social impede que ele cometa novos delitos, pelo menos no ambiente social do qual foi privado.
Por meio da prevenção especial positiva, a finalidade da pena consiste em fazer com que o autor desista de cometer novas infrações, assumindo caráter ressocializador e pedagógico.
1 É desarrazoada, além de inconstitucional, a atuação das polícias militares na apuração de infrações penais, como ocorre com o malfadado “ciclo completo”, que turva e subtrai competências das polícias judiciárias, em grave ofensa à Constituição e às regras orientadoras do processo penal brasileiro. Nesse sentido, decidiu o STF (ADIn 3.614/PR, rel. Min. Carmen Lúcia, DJ de 23-11-2007) que caracteriza desvio de função e ofensa à CF o emprego de policiais militares nas atividades de polícia civil. Nada justifica o escárnio à CF, salvante a sanha autoritária e o desvio de conduta (psicopatia) que alimentam alguns detentores do poder aventureiros e descompromissados com o Estado Democrático de Direito. Nada obstante, reconhece-se o papel importante das PMs na prevenção criminal, por meio do policiamento ostensivo e fardado.
2 Direito penal, 37. ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 226, v. 1.