9º Capítulo

Classificação dos criminosos



9.1 Classificação dos criminosos

O professor Afrânio Peixoto1 há mais de meio século ensinava na Faculdade de Direito da UERJ que classificação é “uma disposição de fatos ou de coisas, em certa ordem, (por classes) para melhor julgar-se da totalidade deles, e de cada um, nas suas relações com os demais”.

É verdade que a classificação de criminosos oferece ampla utilidade criminológica, sobretudo nos aspectos atinentes a um diagnóstico correto, como também a um prognóstico delitivo, assumindo, portanto, papel preponderante na função ressocializadora do direito penal.

Assim, à terapêutica criminal (conjunto de medidas que visam reeducar o criminoso) interessa conhecer os tipos de delinquentes, a fim de lhes traçar um perfil de ação.

Ressalte-se, por oportuno, que hoje em dia as classificações de criminosos perderam um pouco da importância que cintilavam em meados do século XX, alcançando maior valor o chamado individual case study, que personalizou a casuística criminal, conforme alerta Hilário Veiga de Carvalho (1987).

9.2 Classificação etiológica de Hilário Veiga de Carvalho

Procurando fugir das classificações que levavam mais em conta a personalidade do autor, o festejado mestre Hilário Veiga de Carvalho propôs a famosa classificação etiológica de delinquentes, conforme a prevalência de fatores biológicos ou mesológicos, a saber: biocriminoso puro; biocriminoso preponderante; biomesocriminoso; mesocriminoso preponderante; mesocriminoso puro.

Biocriminosos puros (pseudocriminosos)

São aqueles que apresentam apenas fatores biológicos; aplica-se-lhes tratamento médico psiquiátrico em manicômio judiciário; é o caso dos psicopatas ou epiléticos que, em crise, efetuam disparos de arma de fogo ou dos retardados mentais severos, esquizofrênicos e outros.

Biocriminosos preponderantes (difícil correção)

São aqueles que tendem ao delito motu proprio; neles já se apresentam alguns fatores mesológicos, porém em menor quantidade; portadores de alguma anomalia biológica, insuficiente para desencadear a ofensiva criminosa, cedem a estímulos externos e a eles respondem facilmente (“a ocasião faz o ladrão”); sugere-se o tratamento em colônias disciplinares, casas de custódia ou institutos de trabalho, com assistência médico-psiquiátrica e eventual internação em hospital psiquiátrico, temporária ou definitivamente, conforme o caso; reincidência potencial; engendram sequestros, roubos e/ou latrocínios, que “cometem por cometer”. Reincidentes com eficácia, por vezes ouvem vozes que os encorajam ao crime.

Biomesocriminosos (correção possível)

São aqueles que sofrem influências biológicas e do meio, mas é impossível decidir quais os fatores que mais pesam na conduta delituosa; reincidência ocasional; sustenta-se o tratamento em regime de reformatório progressivo e apoios médico e pedagógico; exemplo: o jovem, inconformado com a sujeição paterna, sonha com um carro (objeto do desejo) e, vivendo num ambiente em que vigoram a impunidade e o sucesso, vale qualquer preço, rouba um automóvel a mão armada.

Mesocriminosos preponderantes (correção esperada)

Em geral são tíbios no caráter; fraqueza da personalidade (eram chamados por Hilário Veiga de Carvalho de “Maria vai com as outras”); embora presentes ambos os fatores, os mesológicos ou ambientais são mais numerosos; reincidência excepcional; aponta-se o tratamento em colônias, com apoio sociopedagógico.

Mesocriminosos puros

Nestes só atuam fatores mesológicos, isto é, do meio social; agem antissocialmente por força de ingerências do meio externo, tornando-se quase “vítimas das circunstâncias exteriores”, caso do brasileiro que, a serviço no Oriente, é surpreendido bebendo pelas autoridades locais após o término de sua jornada de trabalho, apenado com chibatadas, por se tratar de ilícito naquele lugar. No Brasil, tal conduta é irrelevante para o direito penal. É o caso ainda do índio que, no seio do grupo “civilizado”, pratica ato tido como delituoso, mas aceito com normalidade em seu meio. São pseudocriminosos, tendo em vista que o crime emana apenas do meio ambiente em que vivem.



Classificação dos criminosos de Hilário Veiga de Carvalho



Observação: em tom claro, o fator mesológico; em tom escuro, o fator biológico.

Figura 1 – mesocriminoso puro

Figura 2 – mesocriminoso preponderante

Figura 3 – mesobiocriminoso ou biomesocriminoso

Figura 4 – biocriminoso preponderante

Figura 5 – biocriminoso puro

Em relação ao esquema acima exposto, anote-se que o mesocriminoso puro (fig. 1) e o biocriminoso puro (fig. 5) são considerados pseudocriminosos, por faltar ao primeiro o elemento anímico (animus delinquendi) e ao outro a capacidade de imputação penal (imputabilidade). Nesse sentido, uma classificação de criminosos séria é aquela que propicia prever o comportamento futuro do delinquente, em relação à reincidência (prognóstico).

Quanto aos demais, aplica-se a seguinte tabela2:



Tipo

Correção

Reincidência

Mesocriminoso preponderante

Esperada

Excepcional

Mesobiocriminoso

Possível

Ocasional

Biocriminoso preponderante

Difícil

Potencial



9.3 Classificações de Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Rafael Garófalo

Os três expoentes da Escola Positiva, cada qual a sua moda, todos influenciados pela construção da teoria do criminoso nato de Lombroso, elencaram suas classificações de delinquentes.

9.3.1 Classificação de Cesare Lombroso

Criminoso nato: influência biológica, estigmas, instinto criminoso, um selvagem da sociedade, o degenerado (cabeça pequena, deformada, fronte fugidia, sobrancelhas salientes, maçãs afastadas, orelhas malformadas, braços compridos, face enorme, tatuado, impulsivo, mentiroso e falador de gírias etc.). Depois agregou ao conceito a epilepsia. Na verdade, Lombroso estudou as características físicas do criminoso, não empregando a expressão “criminoso nato”, como se supõe, na lição autorizada de Newton e Valter Fernandes (2002).

Criminosos loucos: perversos, loucos morais, alienados mentais que devem permanecer no hospício.

Criminosos de ocasião: predispostos hereditariamente, são pseudocriminosos; “a ocasião faz o ladrão”; assumem hábitos criminosos influenciados por circunstâncias.

Criminosos por paixão: sanguíneos, nervosos, irrefletidos, usam da violência para solucionar questões passionais; exaltados.

9.3.2. Classificação de Enrico Ferri

Criminoso nato: degenerado, com os estigmas de Lombroso, atrofia do senso moral (Macbeth, de Shakespeare); aliás, a expressão “criminoso nato” seria de autoria de Ferri e não de Lombroso, como erroneamente se pensava3.

Criminoso louco: além dos alienados, também os semiloucos ou fronteiriços (Hamlet, de Shakespeare).

Criminoso ocasional: eventualmente comete crimes; “o delito procura o indivíduo”.

Criminoso habitual: reincidente na ação criminosa, faz do crime sua profissão; seria a grande maioria, a transição entre os demais tipos; começaria ocasionalmente até degenerar-se.

Criminoso passional: age pelo ímpeto, comete o crime na mocidade; próximo do louco, tempestade psíquica (Otelo, de Shakespeare).

9.3.3 Classificação de Garófalo (que propôs a pena de morte sem piedade aos criminosos natos ou sua expulsão do país)

Criminosos assassinos: são delinquentes típicos; egoístas, seguem o apetite instantâneo, apresentam sinais exteriores e se aproximam dos selvagens e das crianças.

Criminosos enérgicos ou violentos: falta-lhes a compaixão; não lhes falta o senso moral; falso preconceito; há um subtipo, os impulsivos (coléricos).

Ladrões ou neurastênicos: não lhes falta o senso moral; falta-lhes probidade, atávicos às vezes; pequenez, face móvel, olhos vivazes, nariz achatado etc.

9.4 Classificação natural de Odon Ramos Maranhão

Citando lição de Abrahamsen, o saudoso mestre da USP, Odon Ramos Maranhão4 ensina que “o ato criminoso é a soma de tendências criminais de um indivíduo com sua situação global, dividida pelo acervo de suas resistências”.

Esquematicamente:

 

Equação:

C = ato criminoso;

T = tendências criminais;

S = situação global;

R = resistências.

 

Na sistemática proposta, Odon adotou uma classificação natural de criminosos, a saber:

Criminoso ocasional: personalidade normal, poderoso fator desenca­deante, e ato consequente do rompimento transitório dos meios contensores dos impulsos.

Criminoso sintomático5: personalidade com perturbação transitória ou permanente; mínimo ou nulo fator desencadeante; ato vinculado à sintomatologia da doença.

Criminoso caracterológico: personalidade com defeito constitucional ou formativo do caráter; mínimo ou eventual fator desencadeante e ato ligado à natureza do caráter do agente.







1 Criminologia, 4. ed., São Paulo: Saraiva, 1953, p. 83.

2 Apud Ayush Morad Amar, Criminologia, São Paulo: Resenha Tributária, 1987, p. 103.

3 Apud Newton e Valter Fernandes, Criminologia integrada, 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 91.

4 Psicologia do crime, 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 28.

5 Para Odon, esse tipo deve ser analisado pela psicopatologia forense.