No Brasil há basicamente duas leis que se referem à criminalidade organizada, a Lei n. 9.034/95 e a Lei n. 10.217/2001. Nenhuma delas define o que seja crime organizado, o que não deixa de ser um lapso lamentável do Legislativo.
Nesse contexto, portanto, adota-se no País o conceito extraído da Convenção de Palermo, da ONU, contra o crime transnacional, a saber, entende-se por crime organizado um “grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”.
A criminalidade organizada pressupõe uma potencialidade destruidora e lesiva extremamente grande, pior ainda para a sociedade do que as infrações individuais, daí a justa preocupação dos Estados com a repressão ao tráfico de drogas e pessoas, ao terrorismo, ao contrabando etc.
8.2 Aspectos criminológicos do crime organizado
No âmbito penal são conhecidas duas espécies de criminalidade organizada, com reflexos evidentes para os estudos criminológicos: a do tipo mafiosa e a do tipo empresarial.
• Criminalidade organizada do tipo mafiosa (Cosa Nostra, Camorra, Ndrangheta e Stida, na Itália; Yakuza, no Japão; Tríade, na China; e Cartel de Cali, na Colômbia), cuja atividade delituosa se baseia no uso da violência e da intimidação, com estrutura hierarquizada, distribuição de tarefas e planejamento de lucros, contando com clientela e impondo a lei do silêncio. Seus integrantes vão desde agentes do Estado até os executores dos delitos; as vítimas são difusas, e o controle social encontra sério óbice na corrupção governamental.
• A criminalidade organizada do tipo empresarial não possui apadrinhados nem rituais de iniciação; tem uma estrutura empresarial que visa apenas o lucro econômico de seus sócios. Trata-se de uma empresa voltada para a atividade delitiva. Busca o anonimato e não lança mão da intimidação ou violência. Seus criminosos são empresários, comerciantes, políticos, hackers etc. As vítimas também são difusas, mas, quando individualizadas, muitas vezes nem sequer sabem que sofreram os efeitos de um crime. Nesse contexto, ganha relevo a discussão doutrinária do direito penal do cidadão contra o direito penal do inimigo. Este, conforme a doutrina de Günther Jakobs1, volta-se para a preservação do Estado e propõe tratamento gravoso aos criminosos que violam bens jurídicos mais importantes (vida, liberdade, dignidade sexual), à semelhança do que ocorre com os terroristas, e aquele de cunho minimalista, em que se defende um sistema mais garantista ao imputado.
O Estado deve ampliar ações sociais capazes de prover às necessidades da população (saúde, educação, trabalho, segurança etc.), pois a criminalidade organizada ocupa espaços e coopta os indivíduos abandonados por ele, mediante um projeto de médio prazo, alterando a legislação criminal, fortalecendo o sistema de persecução penal, dentre outras medidas.
8.3 Crimes do colarinho branco
A expressão “white collar crimes” (crimes do colarinho branco) foi apresentada pela primeira vez em 1939, à Sociedade Americana de Sociologia, por Edwin Sutherland.
Malgrado elaborada a partir de uma visão sociológica da criminalidade, a definição de Sutherland obteve o respeito da comunidade científica e acelerou os estudos acerca do crime organizado no aspecto empresarial a partir da metade do século XX.
Os crimes do colarinho branco têm duas características próprias e simultâneas: o status respeitável do autor e a interação da atividade criminosa com sua profissão.
Nesse ambiente, destacam-se os crimes contra a ordem tributária, contra as relações de consumo, contra a economia popular, contra o mercado de ações, os crimes falimentares etc., de modo que seus autores, em regra, são pessoas ou grupos de pessoas de amplo prestígio social e político, com fácil trânsito em todas as áreas governamentais. As propinas, o tráfico de influência e favorecimento são, de igual raiz, atividades correlacionadas àqueles ilícitos, que contam com o apoio de agentes públicos ímprobos e desonestos.
Os crimes do colarinho branco, à vista de sua pretensa impunidade, acabam propiciando a ocorrência da chamada cifra dourada de criminalidade.
1 Direito penal do inimigo, Porto Alegre: Livr. do Advogado, 2007.