5º Capítulo

Sociologia criminal





5.1 Sociologia criminal

A sociologia criminal, em seu início e postulados, confundiu-se com certos preceitos da antropologia criminal, uma vez que buscava a gênese delituosa nos fatores biológicos, em certas anomalias cranianas, na “disjunção” evolutiva.

O próprio Lombroso, no fim de seus dias, formulou o pensamento no sentido de que não só o crime surgia das degenerações, mas também certas transformações sociais afetavam os indivíduos, desajustando-os.

No entanto, a moderna sociologia partiu para uma divisão bipartida, analisando as chamadas teorias macrossociológicas, sob enfoques consensuais ou de conflito.

5.2 Modelos sociológicos de consenso e de conflito

Nessa perspectiva macrossociológica, as teorias criminológicas contemporâneas não se limitam à análise do delito segundo uma visão do indivíduo ou de pequenos grupos, mas sim da sociedade como um todo.

O pensamento criminológico moderno é influenciado por duas visões:



1) uma de cunho funcionalista, denominada teoria de integração, mais conhecida por teorias de consenso;

2) uma de cunho argumentativo, chamada de teorias de conflito.



São exemplos de teorias de consenso a Escola de Chicago, a teoria de associação diferencial, a teoria da anomia e a teoria da subcultura delinquente.

De outro lado, são exemplos de teorias de conflito o labelling approach e a teoria crítica ou radical.

As teorias de consenso entendem que os objetivos da sociedade são atingidos quando há o funcionamento perfeito de suas instituições, com os indivíduos convivendo e compartilhando as metas sociais comuns, concordando com as regras de convívio.

Aqui os sistemas sociais dependem da voluntariedade de pessoas e instituições, que dividem os mesmos valores.

As teorias consensuais partem dos seguintes postulados: toda sociedade é composta de elementos perenes, integrados, funcionais, estáveis, que se baseiam no consenso entre seus integrantes.



 





Por sua vez, as teorias de conflito argumentam que a harmonia social decorre da força e da coerção, em que há uma relação entre dominantes e dominados. Nesse caso, não existe voluntariedade entre os personagens para a pacificação social, mas esta é decorrente da imposição ou coerção.

Os postulados das teorias de conflito são: as sociedades são sujeitas a mudanças contínuas, sendo ubíquas, de modo que todo elemento coopera para sua dissolução. Haveria sempre uma luta de classes ou de ideologias a informar a sociedade moderna (Marx).

Os sociólogos contemporâneos afastam a luta de classes, argumentando que a violação da ordem deriva mais da ação de indivíduos, grupos ou bandos do que de um substrato ideológico e político1.

Como bem ressaltou Shecaira (2008, p. 141): “Qualquer que seja a visão adotada para a análise criminológica, a sociedade é como a cabeça de Janus2, e suas duas faces são aspectos equivalentes da mesma realidade”.



 





5.3 Teorias sociológicas explicativas do crime

Entre as diversas teorias sociológicas que buscam explicar todo o fenômeno criminal estão a Escola de Chicago, a associação diferencial, a anomia, a subcultura delinquente, o labelling approach e a teoria crítica (radical).

5.4 Escola de Chicago

A Revolução Industrial proporcionou uma forte expansão do mercado americano, com a consolidação da burguesia comercial.

Os estudos sociológicos americanos foram a priori marcados por uma influência significante da religião. Com a secularização, ocorreu a aproximação entre as elites e a classe baixa, sobretudo por uma matriz de pensamento, formada na Universidade de Chicago, que se denominou “teoria da ecologia criminal” ou “desorganização social” (Clifford Shaw e Henry Mckay).

Em função do crescimento desordenado da cidade de Chicago, que se expandiu do centro para a periferia (movimento circular centrífugo), inúmeros e graves problemas sociais, econômicos, culturais etc. criaram ambiente favorável à instalação da criminalidade, ainda mais pela ausência de mecanismos de controle social.

A Escola de Chicago, atenta aos fenômenos criminais observáveis, passou a usar os inquéritos sociais (social surveys) na investigação daqueles.

Tais investigações sociais demandavam a realização de interrogatórios diretos, feitos por uma equipe especial junto a dado número de pessoas (amostragem). Ao lado desses inquéritos sociais, utilizaram-se análises biográficas de individual cases. Os casos individuais permitiram a verificação de um perfil de carreira delitiva.

Estabeleceu-se a metodologia de colocação dos resultados da criminalidade sobre o mapa da cidade, pois é a cidade o ponto de partida daquela (estrutura ecológica).

Os meios diferentes de adaptação das pessoas às cidades acabam por propiciar a mesma consequência: implicação moral e social num processo de interação na cidade.

Assim, com o crescimento das cidades começa a surgir uma relação de aproximação entre as pessoas, com a vizinhança se conhecendo. Passa a existir, por conseguinte, uma verdadeira identidade dos quarteirões. Esse mecanismo solidário de mútuas relações proporciona uma espécie de controle informal (polícia natural), na medida em que uns tomam conta dos outros3 (ex.: família que viaja e pede ao vizinho que recolha o jornal, que mostre ao leiturista da água o local do hidrômetro etc.).

Os avanços do progresso cultural aceleram a mobilidade social, fazendo aumentar a alteração, com as mudanças de emprego, residência, bairro etc., incorrendo em ascensão ou queda social. A mobilidade difere da fluidez, que é o movimento sem mudança da postura ecológica, proporcio­nado pelo avanço da tecnologia dos transportes (automóvel, trens, metrô).

Portanto, a mobilização e a fluidez impedem o efetivo controle social informal nas maiores cidades.

5.4.1 A teoria ecológica e suas propostas

Há dois conceitos básicos para que se possa entender a ecologia criminal e seu efeito criminógeno: a ideia de “desorganização social” e a identifi­cação de “áreas de criminalidade” (que seguem uma gradient tendency).

O crescimento desordenado das cidades faz desaparecer o controle social informal; as pessoas vão se tornando anônimas, de modo que a família, a igreja, o trabalho, os clubes de serviço social etc. não dão mais conta de impedir os atos antissociais.

Destarte, a ruptura no grupo primário enfraquece o sistema, causando aumento da criminalidade nas grandes cidades.

No mesmo sentido, a ausência completa do Estado (não há delegacias, escolas, hospitais, creches etc.) cria uma sensação de anomia e insegurança, potencializando o surgimento de bandos armados, matadores de aluguel que se intitulam mantenedores da ordem4.

O segundo dado característico é a existência de áreas de criminalidade segundo uma gradient tendency.

Para Shecaira (2008, p. 167), “Uma cidade desenvolve-se, de acordo com a ideia central dos principais autores da teoria ecológica, segundo círculos concêntricos, por meio de um conjunto de zonas ou anéis a partir de uma área central. No mais central desses anéis estava o Loop, zona comercial com os seus grandes bancos, armazéns, lojas de departamento, a administração da cidade, fábricas, estações ferroviárias, etc. A segunda zona, chamada de zona de transição, situa-se exatamente entre zonas residenciais (3ª zona) e a anterior (1ª zona), que concentra o comércio e a indústria. Como zona intersticial, está sujeita à invasão do crescimento da zona anterior e, por isso, é objeto de degradação constante”.

Assim, a 2ª zona favorece a criação de guetos, a 3ª zona mostra-se como lugar de moradia de trabalhadores pobres e imigrantes, a 4ª zona destina-se aos conjuntos habitacionais da classe média e a 5ª zona compõe-se da mais alta camada social.



Teoria das Zonas Concêntricas







As principais propostas da ecologia criminal visando o combate à criminalidade são: alteração efetiva da situação socioeconômica das crianças; amplos programas comunitários para tratamento e prevenção; planejamento estratégico por áreas definidas; programas comunitários de recreação e lazer, como ruas de esportes, escotismo, artesanato, excursões etc.; reurbanização dos bairros pobres, com melhoria da estética e do padrão das casas.

Registre-se que a principal contribuição da Escola de Chicago deu-se no campo da metodologia (estudos empíricos) e da política criminal, lembrando que a consequência direta foi o destaque à prevenção, reduzindo a repressão.

Todavia, não há prevenção criminal ou repressão que resolvam a questão criminal se não existirem ações afirmativas que incluam o indivíduo na sociedade.

5.5 Associação diferencial

É considerada uma teoria de consenso, desenvolvida pelo sociólogo americano Edwin Sutherland (1883-1950), inspirado em Gabriel Tarde.

Cunhou-se no final dos anos 1930 a expressão white collar crimes (crimes de colarinho branco) para designar os autores de crimes específicos, que se diferenciavam dos criminosos comuns.

Afirma que o comportamento do criminoso é aprendido, nunca herdado, criado ou desenvolvido pelo sujeito ativo. Sutherland não propõe a associação entre criminosos e não criminosos, mas sim entre definições favoráveis ou desfavoráveis ao delito.

Nesse contexto, a associação diferencial é um processo de apreensão de comportamentos desviantes, que requer conhecimento e habilidade para se locupletar das ações desviantes.

Isso é aprendido e promovido por gangues urbanas, grupos empresariais, aquelas despertadas para a prática de furtos e arruaças, e estes, para a prática de sonegações e fraudes comerciais.

A apreensão (aprendizagem) do comportamento delitivo se dá numa compreensão cênica, em decorrência de uma interação.

Conforme o ensino de Álvaro Mayrink da Costa5, “A aprendizagem é feita num processo de comunicação com outras pessoas, principalmente, por grupos íntimos, incluindo técnicas de ação delitiva e a direção específica de motivos e impulsos, racionalizações e atitudes. Uma pessoa torna-se criminosa porque recebe mais definições favoráveis à violação da lei do que desfavoráveis a essa violação. Este é o princípio da associação diferencial”.

Em outras palavras, a associação diferencial desperta as leis de imitação, porque, ao contrário do que suponha Lombroso, ninguém nasce criminoso, mas a criminalidade é uma consequência de uma socialização incorreta.

As classes sociais mais altas acabam por influenciar as mais baixas, inclusive em razão do monopólio dos meios de comunicação em massa, que criam estereótipos, modelos, comportamentos etc.

Portanto, não se pode dizer que o crime é uma forma de comportamento inadaptado das classes menos favorecidas. Não é exclusividade delas, porque assistimos a uma série de crimes de colarinho branco (sonegações, fraudes etc.), que são delitos praticados por pessoas de elevada estatura social e respeitadas no ambiente profissional (empresários, políticos, industriais etc.).

Nem todas as associações diferenciais têm a mesma força; variam na frequência, na duração, nos interesses e na intensidade.

Daí por que a teoria conduz à ideia de que a cultura mais ampla não é homogênea, levando a conceitos contraditórios do mesmo comportamento, porque se nega que o comportamento do delinquente possa ser explicado por necessidades e valores gerais.



 





5.6 Anomia. Subcultura delinquente

A teoria da anomia também é vista como teoria de consenso, porém com nuances marxistas. Afasta-se dos estudos clínicos do delito porque não o compreen­de como anomalia.

De plano, convém citar que essa teoria insere-se no plano das correntes funcionalistas, desenvolvidas por Robert King Merton, com apoio na doutrina de E. Durkheim (O suicídio). Para os funcionalistas, a sociedade é um todo orgânico articulado que, para funcionar perfeitamente, necessita que os indivíduos interajam num ambiente de valores e regras comuns.

No entanto, toda vez que o Estado falha é preciso resgatá-lo, preservando-o; se isso não for possível, haverá uma disfunção.

Merton explica que o comportamento desviado pode ser considerado, no plano sociológico, um sintoma de dissociação entre as aspirações socioculturais e os meios desenvolvidos para alcançar tais aspirações.

Assim, o fracasso no atingimento das aspirações ou metas culturais em razão da impropriedade dos meios institucionalizados pode levar à anomia, isto é, a manifestações comportamentais em que as normas sociais são ignoradas ou contornadas.

A anomia é uma situação de fato em que faltam coesão e ordem, sobretudo no que diz respeito a normas e valores. Exemplos: as forças de paz no Haiti tentaram debelar o caos anômico naquele país (2008); após a passagem do furacão Katrina em Nova Orleans (EUA, 2005), assistiu-se a um estado calamitoso de crimes naquela cidade, como se lá não houvesse nenhuma norma6.

A anomia vista como um tipo de conflito cultural ou de normas sugere a existência de um segmento de dada cultura, cujo sistema de valores esteja em antítese e em conflito com outro segmento.

Então, o conceito de anomia de Merton atinge dois pontos conflitantes: as metas culturais (status, poder, riqueza etc.) e os meios institucionalizados (escola, trabalho etc.).

Nessa linha de raciocínio, Merton elabora um esquema no qual explica o modo de adaptação dos indivíduos em face das metas culturais e meios disponíveis, assinalando com um sinal positivo quando o homem aceita o meio institucionalizado e a meta cultural, e com um sinal negativo quando os reprova.



Modos de Adaptação

Meios Culturais

Meios Institucionalizados

Conformidade

+

+

Inovação

+

Ritualismo

+

Evasão/Retraimento

Rebelião

±

±





A conformidade ou comportamento modal (conformista), num ambiente social estável, é o tipo mais comum, pois os indivíduos aceitam os meios institucionalizados para alcançar as metas socioculturais. Existe adesão total e não ocorre comportamento desviante desses aderentes.

No modo de inovação os indivíduos acatam as metas culturais, mas não aceitam os meios institucionalizados. Quando se apercebem de que nem todos os meios estão a sua disposição, eles rompem com o sistema e, pela conduta desviante, tentam alçar as metas culturais. Nesse aspecto o delinquente corta caminho para chegar às metas culturais.

Outro modo referido por Merton é o ritualismo, por meio do qual os indivíduos fogem das metas culturais, que, por uma razão ou outra, acreditam que jamais atingirão. Renunciam às metas culturais por entender que são incapazes de alcançá-las.

Na evasão ou retraimento os indivíduos renunciam tanto às metas culturais quanto aos meios institucionalizados. Aqui se acham os bêbados, drogados, mendigos e, párias, que são derrotistas sociais.

Por derradeiro, cita-se a rebelião, caracterizada pelo inconformismo e revolta, em que os indivíduos rejeitam as metas e meios, lutando pelo estabelecimento de novos paradigmas, de uma nova ordem social. São individualmente os “rebeldes sem causa”, ou ainda, coletivamente, as revoluções sociais.

A anomia, como uma espécie de confusão de normas ou um encontro de normas conflitantes, é o primeiro passo para a análise das subculturas.

A teoria da subcultura delinquente é tida como teoria de consenso, criada pelo sociólogo Albert Cohen (Delinquent boys, 1955).

Três ideias básicas sustentam a subcultura: 1) o caráter pluralista e atomizado da ordem social; 2) a cobertura normativa da conduta desviada; 3) as semelhanças estruturais, na gênese, dos comportamentos regulares e irregulares.

Essa teoria é contrária à noção de uma ordem social, ofertada pela criminologia tradicional.

Identificam-se como exemplos as gangues de jovens delinquentes, em que o garoto passa a aceitar os valores daquele grupo, admitindo-os para si mesmo, mais que os valores sociais dominantes.

Segundo Cohen, a subcultura delinquente se caracteriza por três fatores: não utilitarismo da ação; malícia da conduta e negativismo.

O não utilitarismo da ação se revela no fato de que muitos delitos não possuem motivação racional (ex.: alguns jovens furtam roupas que não vão usar).

A malícia da conduta é o prazer em desconcertar, em prejudicar o outro (ex.: atemorização que gangues fazem em jovens que não as integram).

O negativismo da conduta mostra-se como um polo oposto aos padrões da sociedade.

A existência de subculturas criminais se mostra como forma de reação necessária de algumas minorias muito desfavorecidas diante das exigências sociais de sobrevivência.



 





5.7 Labelling approach

A teoria do labelling approach (interacionismo simbólico, etiquetamento, rotulação ou reação social) é uma das mais importantes teorias de conflito. Surgida nos anos 1960, nos Estados Unidos, seus principais expoentes foram Erving Goffman e Howard Becker.

Por meio dessa teoria ou enfoque, a criminalidade não é uma qualidade da conduta humana, mas a consequência de um processo em que se atribui tal “qualidade” (estigmatização).

Assim, o criminoso apenas se diferencia do homem comum em razão do estigma que sofre e do rótulo que recebe. Por isso, o tema central desse enfoque é o processo de interação em que o indivíduo é chamado de criminoso.

A sociedade define o que entende por “conduta desviante”, isto é, todo comportamento considerado perigoso, constrangedor, impondo sanções àqueles que se comportarem dessa forma. Destarte, condutas desviantes são aquelas que as pessoas de uma sociedade rotulam às outras que as praticam.

A teoria da rotulação de criminosos cria um processo de estigma para os condenados, funcionando a pena como geradora de desigualdades. O sujeito acaba sofrendo reação da família, amigos, conhecidos, colegas, o que acarreta a marginalização no trabalho, na escola.

Sustenta-se que a criminalização primária produz a etiqueta ou rótulo, que por sua vez produz a criminalização secundária (reincidência). A etiqueta ou rótulo (materializados em atestado de antecedentes, folha corrida criminal, divulgação de jornais sensacionalistas etc.) acaba por impregnar o indivíduo, causando a expectativa social de que a conduta venha a ser praticada, perpetuando o comportamento delinquente e aproximando os indivíduos rotulados uns dos outros. Uma vez condenado, o indivíduo ingressa numa “instituição” (presídio), que gerará um processo institucionalizador, com seu afastamento da sociedade, rotinas do cárcere etc.

Uma versão mais radical dessa teoria anota que a criminalidade é apenas a etiqueta aplicada por policiais, promotores, juízes criminais, isto é, pelas instâncias formais de controle social. Outros, menos radicais, entendem que o etiquetamento não se acha apenas na instância formal de controle, mas também no controle informal, no interacionismo simbólico na família e escola (“irmão ovelha negra”, “estudante rebelde” etc.).

As consequências políticas da teoria do labelling approach são reduzidas àquilo que se convencionou chamar “política dos quatro Ds” (Descriminalização, Diversão, Devido processo legal e Desinstitucionalização). No plano jurídico-penal, os efeitos criminológicos dessa teoria se deram no sentido da prudente não intervenção ou do direito penal mínimo. Existe uma tendência garantista, de não prisionização, de progressão dos regimes de pena, de abolitio criminis etc.

O problema criminal brasileiro ultrapassa a ridícula dicotomia de esquerda ou direita na política penal.

É uma falácia pensar na criminalidade atual como subproduto de uma rotulação policial ou judicial.

Observe-se o crime organizado7: uma verdadeira empresa multinacional, com produção, gerências regionais, inteligência, infiltração nas universidades e no Poder Público, lavagem de dinheiro, hierarquia, disciplina, controle informal dos presídios. Isso seria produzido por etiquetamento? Certamente não, mas os penalistas brasileiros insistem na minimização do direito penal, na exarcebação de direitos dos presos, sendo “etiquetada” de reacionária, démodé ou “conservadora” qualquer medida de contenção e ordem imposta pelo Estado.



 





5.8 Teoria crítica ou radical

A origem histórica dessa teoria de conflito se encontra no início do século XX, com o trabalho do holandês Bonger, que, inspirado pelo marxismo, entende ser o capitalismo a base da criminalidade, na medida em que promove o egoísmo; este, por seu turno, leva os homens a delinquir.

Afirma ainda que as condutas delitivas dos menos favorecidos são as efetivamente perseguidas, ao contrário do que acontece com a criminalidade dos poderosos.

Portanto, essa teoria, de origem marxista, entende que a realidade não é neutra, de modo que se vê todo o processo de estigmatizacão da população marginalizada, que se estende à classe trabalhadora, alvo preferencial do sistema punitivo, e que visa criar um temor da criminalização e da prisão para manter a estabilidade da produção e da ordem social.

As principais características da corrente crítica são:



a) a concepção conflitual da sociedade e do direito (o direito penal se ocupa de proteger os interesses do grupo social dominante);

b) reclama compreensão e até apreço pelo criminoso;

c) critica severamente a criminologia tradicional;

d) o capitalismo é a base da criminalidade;

e) propõe reformas estruturais na sociedade para redução das desigualdades e consequentemente da criminalidade.





É criticada por apontar problemas nos Estados capitalistas, não analisando o crime nos países socialistas.

Destacam-se as correntes do neorrealismo de esquerda; do direito penal mínimo e do abolicionismo penal, que, no fundo, apregoam a reestruturação da sociedade, extinguindo o sistema de exploração econômica.



 



5.8.1 Neorretribucionismo (lei e ordem; tolerância zero; broken windows)

Uma vertente diferenciada surge nos Estados Unidos, com a denominação lei e ordem ou tolerância zero (zero tolerance), decorrente da teoria das “janelas quebradas” (broken windows theory), inspirada pela escola de Chicago, dando um caráter “sagrado” aos espaços públicos.

Alguns a denominam realismo de direita8 ou neorretribucionismo.

Parte da premissa de que os pequenos delitos devem ser rechaçados, o que inibiria os mais graves (fulminar o mal em seu nascedouro), atuando como prevenção geral; os espaços públicos e privados devem ser tutelados e preservados.

Alguns doutrinadores discordam dessa teoria, no sentido de que produz um elevado número de encarceramentos (nos EUA, em 2008, havia 2.319.258 encarcerados e aproximadamente 5.000.000 pessoas beneficiadas com algum tipo de instituto processual, como sursis, liberdade condicional etc.).

Em 1982 foi publicada na revista The Atlantic Monthly uma teoria elaborada por dois criminólogos americanos, James Wilson e George Kelling, denominada Teoria das Janelas Quebradas (Broken Windows Theory).

Essa teoria parte da premissa de que existe uma relação de causalidade entre a desordem e a criminalidade.

A teoria baseia-se num experimento realizado por Philip Zimbardo, psicólogo da Universidade de Stanford, com um automóvel deixado em um bairro de classe alta de Palo Alto (Califórnia) e outro deixado no Bronx (Nova York). No Bronx o veículo foi depenado em 30 minutos; em Palo Alto, o carro permaneceu intacto por uma semana. Porém, após o pesquisador quebrar uma das janelas, o carro foi completamente destroçado e saqueado por grupos de vândalos em poucas horas.

Nesse sentido, caso se quebre uma janela de um prédio e ela não seja imediatamente consertada, os transeuntes pensarão que não existe autoridade responsável pela conservação da ordem naquela localidade. Logo todas as outras janelas serão quebradas.

Assim, haverá a decadência daquele espaço urbano em pouco tempo, facilitando a permanência de marginais no lugar; criar-se-á, dessa forma, terreno propício para a criminalidade.

A teoria das janelas quebradas (ou broken windows theory), desenvolvida nos EUA e aplicada em Nova York, quando Rudolph Giuliani era prefeito, por meio da Operação Tolerância Zero, reduziu consideravelmente os índices de criminalidade naquela cidade.

O resultado da aplicação da broken windows theory foi a redução satisfatória da criminalidade em Nova York, que antigamente era conhecida como a “Capital do Crime”. Hoje essa cidade é considerada a mais segura dos Estados Unidos.

Uma das principais críticas a essa teoria está no fato de que, com a política de tolerância zero, houve o encarceramento em massa dos menos favorecidos (prostitutas, mendigos, sem-teto etc.).

Na verdade a crítica não procede, porque a política criminal analisava a conduta do indivíduo, não a sua situação pessoal.

Em 1990 o americano Wesley Skogan realizou uma pesquisa em várias cidades dos EUA que confirmou os fundamentos da teoria. A relação de causalidade existente entre desordem e criminalidade é muito maior do que a relação entre criminalidade e pobreza, desemprego, falta de moradia.

O estudo foi de extrema importância para que fosse colocada em prática a política criminal de tolerância zero, implantada pelo chefe de polícia de Nova York, Willian Bratton, que combatia veementemente os vândalos no metrô. Do metrô para as ruas implantou-se uma teoria da lei e ordem, em que se agia contra os grupos de vândalos que lavavam os para-brisas de veículos e extorquiam dinheiro dos motoristas. Essa conduta era punida com serviços comunitários e não levava à prisão. Assim, as pessoas eram intimadas e muitas não cumpriam a determinação judicial, cujo descumprimento autorizava, então, a prisão. As prisões foram feitas às centenas, o que intimidava os demais, levando os nova-iorquinos a acabar em semanas com um temor de anos.

Em Nova York, após a atuação de Rudolph Giuliani (prefeito) e de Willian Bratton (chefe de polícia) com a “zero tolerance”, os índices de criminalidade caíram 57% em geral e os casos de homicídios caíram 65%, o que é no mínimo elogiável.

Índices semelhantes foram obtidos em Los Angeles, Las Vegas e São Francisco, que, guardadas as devidas proporções, adotaram a “zero tolerance” em seus domínios, valendo ressaltar que Willian Bratton foi chefe de Polícia em Los Angeles por 7 anos, aposentando-se recentemente em outubro de 2009.

Em contrapartida, no Brasil a criminalidade é crescente e organizada a partir dos presídios. Como se não bastasse, progridem também as medidas despenalizadoras, na contramão da história e da necessidade de maior proteção do direito à segurança da sociedade, um direito constitucional fundamental e difuso. Mais disso, na periferia dos grandes centros urbanos brasileiros predomina uma indiscutível ausência estatal e, via de regra, uma desordem crescente, formando o ambiente favorável à instalação do crime organizado, das milícias etc. Parece até que alguns penalistas brasileiros pretendem uma neoanomia do “quanto pior, melhor”.



 









1 Uma atual facção criminosa dos presídios paulistas redigiu um “estatuto” alegando que seus fins são lutar contra a opressão do Estado, o que de certa forma nega a postura dos sociólogos contemporâneos.

2 Na Antiguidade, muitas cidades eram cercadas por fortificações que as protegiam, tendo portas e arcos como entradas. Janus, deus romano, protetor das entradas ou começos, é representado por uma cabeça dotada de duas faces, posicionadas em direções opostas, conforme aparece em antigas moedas romanas. Moeda romana em ouro representando as duas faces de Janus – 225-212 a.C.; depositada no Keensthistoreshes Vienna Museum.


3 Até os anos 1970 era comum nas cidades do interior a existência de inspetores de quarteirão, que zelavam pela mantença do equilíbrio naquela microárea.

4 Na cidade de São Paulo, na zona sul, em áreas favelizadas (Parque Arariba, Cidade Fim de Semana, Parque Santo Antonio, Jardim Ângela etc.), nos anos 1980 e 1990, surgiram grupos de extermínio, intitulados “justiceiros ou pés de pato”, que cometeram inúmeros homicídios, formando um verdadeiro esquadrão da morte. Alguns desses criminosos foram mortos em confronto com a polícia, outros foram presos e condenados. Fenômeno similar deu-se, na mesma época, também nas zonas norte (Favela Funerária no Parque Novo Mundo) e leste da capital paulista (favelas de Guaianazes e Itaquera).

5 Criminologia, Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1976, p. 129.

6 Na noite de 31 de agosto de 2005, o prefeito de Nova Orleans, Ray Nagin, declarou “lei marcial” na cidade e disse que “os policiais não precisavam se preocupar com os direitos civis para deter os saqueadores”. Fonte: <http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2008/08/31/>.

7 O jornal O Estado de S. Paulo de 30-03-2008, revelou que integrantes de uma facção criminosa que opera nos presídios paulistas negociaram com guerrilheiros das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) o tráfico internacional de cocaína, bem como o treinamento de seu pessoal.

8 Apud Sérgio Salomão Shecaira, Criminologia, cit., p. 331.